SÓCIO-ECONÓMICO

Há anos que as companhias de gás e os governos do Norte têm vindo a dizer que a indústria do gás beneficiará Moçambique económica e socialmente. No entanto, esta não é a primeira vez que ouvimos isto. A indústria de combustíveis fósseis em todo o mundo tem vindo a usar esta linha para esconder o facto de que são eles que irão beneficiar financeiramente, e explorando a retórica neocolonial de que África e os países pobres precisam de ser “desenvolvidos”.

É difícil encontrar um exemplo em África onde os projectos de combustíveis fósseis tenham de facto criado uma melhor situação social e económica para as comunidades directamente afectadas por eles e para o país como um todo. De facto, na maioria dos casos, as comunidades estão em pior situação, sem meios de subsistência e sem fontes de rendimento, e os Estados de acolhimento acabam por sofrer grandes perdas devido a custos ocultos, para não mencionar o aumento da corrupção, instabilidade social e violência.

Moçambique continua a ser um dos países mais pobres e menos desenvolvidos e um dos países mais endividados do mundo. As estatísticas de 2018 do Fundo Monetário Internacional colocam Moçambique no número 6 na lista dos países mais pobres. Cerca de 70% dos 28 milhões (número desde 2016) de cidadãos vivem e trabalham em zonas rurais e cerca de 70% dos Moçambicanos não têm acesso à electricidade de acordo com o Banco Mundial.

Neste contexto económico, é problemático que o governo de Moçambique tenha escolhido um caminho de desenvolvimento nacional centrado nas indústrias extractivas, onde as receitas estão distribuídas de forma extremamente desigual entre a população.

As empresas de energia operam em Moçambique há muitos anos, mas sem qualquer benefício visível para as pessoas. Por exemplo, os projectos Pande e Temane da Sasol em Inhambane produzem gás há 14 anos, a maior parte do qual é vendido à África do Sul. Estes projectos criaram apenas 300 empregos permanentes durante esse período. Os projectos têm sido o centro de um acordo controverso entre a subsidiária Moçambicana da Sasol, SPT (Sasol Petroleum Temane) e o governo Moçambicano, no qual a SPT vende gás à sua empresa-mãe, Sasol Petroleum International, na África do Sul, a uma percentagem muito pequena do valor de mercado. A Sasol vende-o depois ao valor de mercado. Por outras palavras, a Sasol vende gás a si própria, decidindo sobre os preços e enganando totalmente o governo Moçambicano, que ganha muito poucos impostos com estes projectos.

Para informações mais detalhadas sobre este acordo, ver o relatório do Centro de Integridade Publica (CIP): A Sasol continua a ordenhar Moçambique (EN)

Danos ao orçamento nacional

Este projecto exigirá um enorme investimento para além do próprio projecto, que seria melhor gasto em programas sociais e no desenvolvimento de energias renováveis. O projecto em si exigirá um investimento de até 30 mil milhões de dólares.

Como afirma a Estudo de Impacto Ambiental (EIA) da Anadarko de 2014, este grande investimento poderia fazer deste projecto o maior projecto de investimento em Moçambique. Este investimento situa-se num país onde a taxa global de alfabetização é de 45% e de apenas 28% para as mulheres. Este projecto irá desviar fundos que deveriam ir para a educação e outras necessidades sociais, a fim de construir e manter as infra-estruturas necessárias para este projecto. Quando estes projectos ocorrem, os governos têm sempre de gastar enormes quantidades de dinheiro para além do que os investidores privados fornecem.

De facto, em Setembro de 2021, a organização com sede em Berlim Open Oil publicou um relatório, Demasiado Tarde para Contar: uma análise financeira do sector do gás de Moçambique, a mostrar que as receitas do gás para Moçambique serão muito inferiores ao esperado. De facto, tanto o Coral GNL como o GNL de Moçambique trarão 18,4 mil milhões de dólares em receitas, menos de metade do que tinham planeado trazer individualmente. Só a Total tinha prometido 50 mil milhões de dólares em receitas do GNL de Moçambique.

O relatório salientou que as participações muito pequenas da empresa petrolífera estatal Moçambicana, Empresa Nacional de Hidrocarbonetos (ENH), de 10% no Coral GNL e 15% no GNL de Moçambique não valem nada e podem ser um passivo. Moçambique perderá milhares de milhões em receitas fiscais devido aos veículos financeiros corporativos criados no paraíso fiscal do Dubai por várias das empresas do sector, e acrescenta que a maior parte do gás de Moçambique já está encalhado.

Ler este relatório (EN)

Nenhum aumento no acesso à energia para as comunidades locais

Cerca de 70% do país não tem acesso à electricidade, de acordo com a estimativa conservadora do Banco Mundial. Este número é elevado mesmo em comparação com outros países da África Sub-Sahariana e países de baixo rendimento. Mesmo para os 30% considerados como tendo acesso, muitas dessas pessoas não podem realmente pagar a electricidade, levando a mais milhões de Moçambicanos sem electricidade. Apesar desta taxa de electricidade incrivelmente baixa, o projecto nem sequer tenta melhorar esse número. O objectivo declarado do projecto de GNL de Moçambique, por exemplo, é “recolher, processar e exportar gás natural em forma líquida conhecido como GNL … [a] ser utilizado como fonte de combustível noutros países”. 

Embora este projecto vá destruir os recursos naturais de que as comunidades locais dependem, estas não receberão nenhum dos benefícios da electricidade. O GNL será imediatamente levado para outros países, para compradores como a BP, e empresas e governos de França, Índia e Japão, por exemplo.

O gás natural nem sequer faz sentido para melhorar o acesso à energia em Moçambique. Cerca de dois terços da população em Moçambique vive em zonas rurais distantes da rede centralizada. Por conseguinte, um aumento da produção de gás natural, que requer grandes centrais centralizadas, não ajudaria a melhorar o acesso do país à electricidade. Além disso, Moçambique carece da infra-estrutura de gasodutos que seria necessária para transportar gás natural do norte do país onde estes depósitos de gás natural estão localizados a sul, onde a procura é maior, ou de qualquer outra parte do país. A construção de uma tal rede de gasodutos, que é proibitivamente dispendiosa, e se fosse realizada, cimentaria a dependência dos combustíveis fósseis durante décadas. Para aumentar o acesso à electricidade, o país teria de investir em pequenos sistemas distribuídos de energias renováveis. Estudos mostraram que pequenos sistemas solares baseados na comunidade fariam mais sentido num país como Moçambique, que está repleto de recursos solares. 

Para referências, ver a carta da JA! e da Amigos da Terra EUA para a US Export-Import Bank (EN)

Sem emprego

Muito poucos, ou nenhum, dos empregos criados através deste projecto irão para as comunidades locais, e até agora os únicos empregos que foram criados foram de carácter doméstico, não qualificado e temporário, tais como cozinheiros e limpadores e trabalhadores da construção civil no Parque de GNL de Afungi. E agora que a Total alegou força maior e parou a construção, não há emprego.

Os habitantes locais não têm a educação para beneficiar de empregos. Como afirma o EIA, a maioria das pessoas que vive no distrito ao redor do projecto não recebeu qualquer educação formal e grande parte da população é analfabeta. Além disso, a população local tem pouca ou nenhuma experiência com o sector privado. Por conseguinte, não terão as competências ou o nível de educação necessários para realizar os trabalhos que este projecto irá criar. Os programas para criar capacidade entre as comunidades locais não se concretizaram devido à corrupção e foram mesmo utilizados para extorquir dinheiro às comunidades afectadas que tiveram de pagar para colocar os seus nomes na lista para formações que nunca aconteceram.

Desenvolver a mão-de-obra com as habilidades necessárias levará de três a cinco anos de apoio e formação substanciais. As empresas de gás não forneceram os programas de aprendizagem e desenvolvimento de negócios necessários, apesar de saberem durante cinco anos que milhares de trabalhadores com estas competências seriam necessários. A questão do emprego criou hostilidade em muitas comunidades, com promessas de emprego principalmente aos jovens, apesar das empresas terem desistido dos planos de programas de formação.

O projecto de GNL não só proporcionará poucos empregos locais, como já eliminou as fontes de subsistência de que as comunidades locais dependem, com compensações inconsistentes e inadequadas. O próprio EIA conclui que a maioria das comunidades locais são “altamente dependentes” da pesca, da agricultura em pequena escala, e de outros recursos naturais para ganhar a vida, e agora que foram deslocadas e afastadas das suas terras e zonas de pesca, perderam quase todos os seus meios de subsistência.

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