BARRAGEM DE MPHANDA NKUWA NÃO

Nós, membros das comunidades ameaçadas e afectadas pelo projecto da barragem de Mphanda Nkuwa dos distritos de Marara, Cahora Bassa e Chiúta, estivemos reunidos em Chitima, província de Tete, de 11 a 13 de Março de 2025, para debater este megaprojecto e a nossa posição e preocupações em relação a ele.

Começamos por lembrar que somos os legítimos donos das nossas terras, porque as ocupamos de boa fé há muito mais de dez anos, a maioria de nós herdou-as dos nossos pais, que as herdaram dos seus pais. Os nossos antepassados todos nasceram aqui, aqui morreram, e aqui foram enterrados. Os nossos umbigos foram enterrados aqui. Estamos conscientes que, mesmo sem possuirmos qualquer papel de título de terra, esta terra é nossa de direito. Esta terra é que nos dá sustento, vivemos de agricultura, pesca e garimpo, e com essas actividades conseguimos sobreviver e mandar os nossos filhos para a escola. Sem terra, não temos nada.

Tomamos conhecimento, no ano 2019, que o nosso governo pretende construir mais uma barragem, a barragem de Mphanda Nkuwa no Rio Zambeze, e que até já escolheu empresas para virem construir a barragem. Rejeitamos esses acordos que o governo anda a fazer sem nos consultar, e afirmamos que até hoje ninguém nos veio perguntar se queremos ou não este projecto. Sabemos que o nosso governo costuma ser corrompido pelas grandes empresas que querem a nossa terra, e exigimos que o governo defenda os interesses do seu povo. Exigimos uma informação clara do governo em relação a quais são as comunidades que o governo pretende reassentar, pois até hoje não nos informaram. Sabemos que temos direito à informação, com base no artigo 48 da Constituição da República de Moçambique, e no artigo 14 do Decreto 31/2012 de 8 de Agosto, que aprova o Regulamento Sobre o Processo de Reassentamento Resultante de Actividades Económicas. Reiteramos que de nenhuma forma este pedido de informação significa que aceitamos ser reassentados.

Sabemos o impacto que as barragens causam nas comunidades que vivem às margens do rio. Conhecemos o exemplo da barragem de Cahora Bassa, que até hoje não nos dá energia nem qualquer benefício mesmo estando mesmo perto de nós aqui nesta província, mas sempre faz as secas e as cheias ficarem piores. Temos perdido muita produção nas nossas machambas nas margens do rio devido às descargas da HCB, e sabemos que a barragem de Mphanda Nkuwa, se fôr construída assim tão perto de outras barragens, só vai piorar esta situação. Os pescadores que pescam na albufeira da HCB precisam de ter licença e pagar uma taxa, nós não queremos isso aqui porque queremos continuar a praticar a nossa pesca tradicional. Também conhecemos histórias da barragem de Kariba, no Zimbabwe, e sabemos que esta barragem recentemente parou de produzir energia devido à seca. As cheias e as secas estão cada vez piores em relação ao tempo dos nossos avós, e portanto não precisamos de mais uma mega-barragem no Rio Zambeze. Qualquer mudança no Zambeze afecta profundamente a nossa vida, a nossa cultura, a nossa tradição, a nossa agricultura, e por isso rejeitamos esta barragem.

Também conhecemos muito bem a situação dos nossos irmãos e irmãs de Cassoca, reassentados pela mineradora Jindal em Nhamatua. Sabemos como foram enganados com promessas falsas da empresa e do governo, a sua vida foi destruída porque perderam as suas terras e até hoje não têm onde praticar agricultura ou garimpo. Hoje o governo já não se preocupa com o seu choro. Também sabemos que esta é a realidade de tantas outras comunidades reassentadas por megaprojectos em Moçambique, aqui em Tete como em Cabo Delgado, Nampula, Gaza, e outros. Nesta reunião, contamos com a presença e solidariedade de pessoas afectadas pela Jindal em Cassoca e pela Vale/Vulcan em Moatize.

Denunciamos as intimidações, ameaças e intrigas que têm sido promovidas pelo governo local, com o objectivo de nos provocar medo e divisões entre as comunidades. Alguns de nós já fomos chamados pela polícia, onde nos chamaram de terroristas, apenas porque fomos participar numa capacitação sobre direitos humanos em Maputo. Não temos medo. Quanto mais nos ameaçam, mais percebemos que o governo é que tem medo de nós quando conhecemos os nossos direitos.

Também denunciamos as ordens ilegais que o governo local tem dado aos nossos líderes, quando os proíbe de convocar reuniões com organizações da sociedade civil. Lembramos aos nossos líderes que têm o direito de resistir a ordens ilegais, conforme o Artigo 80 da nossa constituição, e que devem sempre representar os interesses da comunidade. Também lembramos aos nossos líderes e ao governo que temos o direito à reunião e associação, conforme Artigo 51 da nossa Constituição, e que por isso não precisamos de nenhuma autorização para nos reunirmos com quem quisermos. Não aceitamos a presença da polícia nas reuniões para nos intimidar. Se não podemos falar livremente sobre as nossas posições, não nos convidem para reuniões. Se as reuniões servem só para nos fazer promessas falsas, e nunca nos informam sobre os reais impactos negativos do projecto, estas reuniões também não nos servem.

Não aceitamos o projecto de Mphanda Nkuwa nas nossas terras. Se nos forçarem, isto vai criar muita confusão.

Unidos e com a protecção dos espíritos do leão e da cobra, que acompanham o povo do grande Zambeze desde a época dos nossos antepassados, afirmamos:

PANSI M’PHATHU! Esta terra é nossa!

MPHANDA NKUWA TANHONHO! Mphanda nkuwa não!

Chitima, 13 de Março de 2025

Elaborado em conjunto por:

Comunidades de Chirodzi-Nsanangue Sede, Bairro 3, Bairro 4, Kadjadi, Chacocoma, Chamimba, Luzinga e N’tepe

Em solidariedade:https://we.tl/t-2bZ3QLwsc1

Justiça Ambiental JA!

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