As eleições presidenciais de 9 de Outubro de 2024 em Moçambique foram uma vez mais manchadas de graves irregularidades, atropelos à lei e muita violência – tudo amplamente documentado e denunciado. As pessoas marcharam por muitos distritos do país a exigir justiça eleitoral e o respeito da vontade popular, e foram brutalmente reprimidas pela polícia. O assassinato inescrupuloso de Elvino Dias e Paulo Guambe, dez dias após as eleições, epitomiza bem esta brutalidade, bem como a covardia, impunidade e tirania de quem a promove para depois descaradamente se dizer vítima das suas consequências.
Este crime agudizou a revolta popular, e levou à intensificação das manifestações por todo o país. As marchas que se seguiram, já passaram a ser não só por justiça eleitoral, como também por justiça para Elvino Dias e Paulo Guambe. Duas causas que se tornaram indissociáveis.
Os dias que se seguiram tem sido de uma absurda crueldade para com os jovens e tantos outros grupos que se manifestam pacificamente pelas ruas. Apoiantes de partidos da oposição, estudantes, jovens, e muitos outros que marcham em solidariedade ou apoio à causa, têm sido baleados, sufocados com gás lacrimogénio, detidos arbitrariamente e espancados nas esquadras – e até mesmo os advogados que os defendem. O nosso governo, uma vez mais, está a lidar com esta revolta popular da pior maneira possível: assassinando inocentes, partidarizando ainda mais as forças de defesa e segurança do estado, e gerando cada vez mais revolta. Hoje, marchamos por justiça eleitoral, por justiça para Elvino e Paulo, e para que se pare de massacrar o nosso povo.
Exigimos:
- a retirada imediata das forças policiais e o fim da repressão e violência, bem como a responsabilização de todos os agentes envolvidos em actos de brutalidade e violência contra manifestantes, e a dos seus superiores hierárquicos;
- uma investigação séria e imparcial ao assassinato de Elvino Dias e Paulo Guambe e que sejam levados à justiça todos os envolvidos neste acto macabro, dos autores físicos aos morais;
- que se respeite a liberdade de associação, expressão, manifestação e o direito à resistência, conforme consagrado na nossa Constituição, e que se cesse já com as limitações à internet;
- justiça eleitoral, que se respeite a vontade do povo determinada no dia 9 de Outubro nas urnas, pois votos não se negoceiam, contam-se!
Repudiamos os discursos prepotentes, manipuladores e omissos dos representantes do governo, que apresentam uma situação completamente distorcida da realidade que se vive nas ruas do país, numa tentativa de imbecilizar um povo que têm demandas imediatas bastante claras: justiça eleitoral, responsabilização pela violência policial! São discursos perigosos que arriscam incendiar ainda mais as tensões sociais e a revolta contra o Estado. Que os diferentes partidos e forças políticas do país se façam por respeitar, em particular as instituições do Estado.
É igualmente fundamental, além do actual momento, não perdermos o horizonte político mais amplo e não nos esquecermos das condições estruturais que marginalizam, empobrecem e reprimem o povo Moçambicano todos os dias.
O nosso país tem percorrido um caminho de desenvolvimento excludente e promotor de desigualdade, orientado por diversas políticas económicas neoliberais impostas e financiadas pelo Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, e que busca tornar o nosso país (os nossos recursos) mais atractivos aos investidores internacionais (mais lucrativos). É materializado pelo predadorismo económico praticado pelas empresas transnacionais que exploram os nossos recursos em conluio com as nossas elites políticas, usurpando terra de camponeses e comunidades rurais, aumentando a marginalização e a pobreza. São os jovens que recebem promessas de emprego nestes investimentos, e os poucos que têm sorte trabalham 3 a 6 meses, depois voltam ao desemprego. É a indústria extractiva e as plantações industriais de monoculturas, que causam poluição, contaminação e danos irreversíveis na natureza e colocam ainda mais pressão sobre os meios de subsistência. É o sistema de clientelismo e corrupção que se cria para aprovar megaprojectos que em condição nenhuma seriam considerados viáveis por autoridades verdadeiramente competentes. São os milhões de cidadãos que não têm acesso a uma saúde condigna, a uma educação de qualidade, a vias de acesso transitáveis, à medida que os nossos serviços públicos são cada vez mais negligenciados, delapidados e privatizados.
Precisamos de encontrar caminhos em frente cujo foco seja a justiça e os direitos, como pressuposto para a paz e para um verdadeiro desenvolvimento, um desenvolvimento que é sentido no prato de cada Moçambicano do Rovuma ao Maputo. Reiteramos o nosso compromisso em lutar por uma mudança de sistema rumo a um caminho de justiça eleitoral, ambiental, social e económica para todas e todos. Que se aproveite o próximo momento para fortalecer as estruturas de governação e estimular todos os sectores sociais a envolverem-se em cidadania activa, para recuperar a confiança nas instituições do Estado e para aprofundarmos o debate político progressista no nosso país.
Só assim poderemos vislumbrar a paz. Povo no poder!
A luta continua.