Declaração conjunta das ONGs

26 de setembro de 2024. Declaração de: Justiça Ambiental JA! / Amigos da Terra Moçambique; Amigos da Terra França; Milieudefensie / Amigos da Terra Holanda; Amigos da Terra Europa; Amigos da Terra Japão; Amigos da Terra EUA; ReCommon; Reclaim Finance.

Em 26 de Setembro de 2024, o Politico publicou um artigo do jornalista independente Alex Perry [1] que revela informações sobre um alegado massacre de civis que terá sido cometido perto das instalações da TotalEnergies em meados de 2021 pelas forças de segurança pública moçambicanas.

Anabela Lemos, Directora da Justiça Ambiental JA!, afirma: “Esta informação não pode ser ignorada pelas instituições financeiras que apoiam as actividades do gigante francês dos combustíveis fósseis em Moçambique, incluindo os braços financeiros dos Estados Unidos, Reino Unido, Holanda e Itália. Em múltiplos relatórios e reuniões, nós e os nossos parceiros alertámos empresas, bancos e Estados para os riscos associados a este projecto e para as graves falhas na diligência devida em matéria de direitos humanos levada a cabo pela TotalEnergies [2]. A responsabilidade da TotalEnergies é hoje novamente posta em causa por este relatório a respeito de outras alegadas atrocidades em torno do projecto de gás”.

O artigo descreve alegados acontecimentos em Julho-Setembro de 2021, três meses depois de um grande ataque de insurgentes à cidade de Palma que provocou o aumento da militarização da região. De acordo com o artigo, as tropas moçambicanas agrediram centenas de civis que procuravam segurança e aprisionaram os homens em contentores metálicos sem janelas, perto da entrada das instalações do projecto Mozambique LNG. O artigo relata que os homens – entre 180 e 250 indivíduos – foram detidos durante 3 meses, privados de água, mortos de fome, espancados, sufocados, torturados, esfaqueados e, por fim, a maioria deles “desapareceu”. Segundo as estimativas da equipa de investigação, apenas 26 dos prisioneiros terão sobrevivido”. As mulheres foram sujeitas a humilhações e a repetidas agressões sexuais durante um ou dois dias, antes de serem libertadas.

Alex Perry publicou anteriormente artigos sobre o conflito violento na província de Cabo Delgado e os impactos controversos do projecto Mozambique LNG. No rescaldo dos ataques dos insurgentes de Março e Abril de 2021 à cidade de Palma, realizou uma investigação profunda para descobrir o número de mortes ocorridas durante o massacre [3]. Os ataques levaram a TotalEnergies a declarar força maior e a suspender o projecto em Abril de 2021.

Em 2023, foi apresentada uma queixa pelas famílias das vítimas e sobreviventes do ataque de Palma, acusando a empresa francesa de energia de não ter protegido os seus subcontratados e de não ter fornecido combustível para que os helicópteros pudessem evacuar os civis durante o ataque [4]. Na sequência da queixa, o Ministério Público francês solicitou à TotalEnergies que se pronunciasse sobre a queixa, para depois decidir se prosseguia com o processo, se o arquivava ou se efectuava novas investigações [5]. 

A Amnistia Internacional acusou as forças de segurança moçambicanas de crimes de guerra em 2021 [6]. Até há pouco tempo, a TotalEnergies fornecia equipamento e compensação financeira directamente à Força-Tarefa Conjunta (JTF) do exército moçambicano, ao abrigo de um acordo segundo o qual a JTF “garantiria a segurança” das actividades do projecto – e agora o pagamento é feito ao governo [7]. Um relatório de 2023 encomendado pela própria TotalEnergies concluiu que uma ligação permanente entre a Mozambique LNG e o exército moçambicano “teria o efeito […] de tornar o projecto uma parte no conflito” segundo a Convenção de Genebra. [8].

Os intervenientes estatais e privados envolvidos no apoio financeiro [9] do projecto foram alertados para as ameaças que o projecto representa para a segurança regional e os direitos humanos, bem como para os impactos climáticos e ambientais [10]. As informações obtidas através de pedidos de acesso à informação revelaram que, apesar destes avisos, bem como das preocupações expressas pelos decisores, o apoio ao projecto foi avançando [11].

A investigação jornalística do Politico sobre este massacre chama de novo a atenção para as ligações controversas da TotalEnergies ao exército moçambicano e, especificamente, para a sua relação com as forças acusadas de crimes graves que podem ser considerados crimes de guerra. De acordo com o artigo, “os comandos estavam baseados no complexo da TotalEnergies. Dirigiam a sua operação de detenção e execução a partir da portaria da gigante petrolífera”. A unidade de comandos moçambicana era ainda liderada por um oficial que dizia que a sua missão era proteger o “projecto da Total”. O director-geral do projecto Mozambique LNG, Maxime Rabilloud, afirma que a TotalEnergies não tem “qualquer conhecimento dos alegados acontecimentos descritos”, nem “qualquer informação que indique que tais acontecimentos tiveram lugar”. Além disso, Rabilloud afirmou que a empresa não estava presente no terreno na altura dos alegados acontecimentos e que está a levar a “mensagem muito a sério, dada a gravidade das alegações”. O artigo refere também que o Ministério da Defesa e a Presidência moçambicana não responderam aos pedidos de comentário.

O artigo afirma que “há razões para um procurador pensar que a Mozambique LNG e a sua empresa-mãe, a TotalEnergies, teriam motivos suficientes para investigar se estavam a ser cometidas violações dos direitos humanos pelas forças de defesa na sua ausência”.

As ONGs por detrás da campanha “Diga Não ao Gás em Moçambique” apelam a todos os actores públicos e privados envolvidos no projecto e no seu financiamento que actuem imediatamente para garantir a verdade, a justiça e a reparação dos sobreviventes e das famílias das vítimas. Apelam a uma investigação oficial imediata sobre os acontecimentos e sobre o potencial papel da TotalEnergies, devido à sua cooperação com forças de segurança acusadas de crimes graves, incluindo violação, assassinato e tortura, que podem constituir crimes de guerra.

Contactos de imprensa

Justiça Ambiental JA!: Daniel Ribeiro, daniel.ja.mz@gmail.com, +258 86 620 5608, Anabela Lemos, anabela.ja.mz@gmail.com, +258 87 195 3602 

Les Amis de la Terre France / Amigos da Terra França: Lorette Philippot, lorette.philippot@amisdelaterre.org, +33 640188284

ReCommon (Itália): Simone Ogno, simoneogno@recommon.org, +39 3491303455

Milieudefensie / Amigos da Terra Holanda: Isabelle Geuskens, isabelle.geuskens@milieudefensie.nl, 0031621829589; Marie-Sol Reindl, marie-sol.reindl@milieudefensie.nl, +31611084291

Amigos da Terra Europa: Paul de Clerck, paul.declerck@foeeurope.org, +32494380959

Amigos da Terra Japão: Ayumi Fukakusa, fukakusa@foejapan.org, +818069170794

Amigos da Terra EUA: Kate de Angelis, kdeangelis@foe.org, +0012023204742

Reclaim Finance : Antoine Bouhey, +33781846775

Notas

[1] Perry, A. 2024. ‘”All must be beheaded”: Allegations of atrocities at French energy giant’s African stronghold’. Politco. Published 26 September 2024. https://www.politico.eu/article/totalenergies-mozambique-patrick-pouyanne-atrocites-afungi-palma-cabo-delgado-al-shabab-isis/

[2] Uprights, July 2023, ‘Assessment of TotalEnergies’ Mozambique LNG Project Human Rights due diligence’​.​https://friendsoftheearth.eu/publication/totalenergies-fails-on-human-rights-in-mozambique-lng-project/ 

[3] Perry, 2023. ‘Palma massacre’.https://www.alex-perry.com/palma-massacre/
Os resultados estão publicados na plataforma de pesquisa da ACLED (Armed Conflict Location & Event Data). https://acleddata.com/knowledge-base/9-april-2024-update-new-fatality-estimate-for-the-2021-attack-on-palma-mozambique/
A pesquisa de Perry concluiu que 1,193 civis Moçambicanos foram mortos ou desapareceram, e o projecto ACLED confirmou 801 mortes.

[4] www.amisdelaterre.org/communique-presse/total-faces-criminal-charges-in-french-courts-for-its-negligence-during-the-palma-attack-in-northern-mozambique/ 

[5] www.lemonde.fr/en/france/article/2024/05/04/france-probes-totalenergies-over-2021-mozambique-attack_6670395_7.html 

[6] Amnesty International, 2021. ‘What I saw is death: war crimes in Mozambique’s forgotten Cape’.https://www.amnesty.org/en/documents/afr41/3545/2021/en/

[7] www.zitamar.com/inside-the-new-security-deal-between-mozambique-and-gas-project-investors/
TotalEnergies, 2020, ‘Total signs agreement with the Government of Mozambique regarding the security of Mozambique LNG project’.https://totalenergies.com/media/news/press-releases/total-signs-agreement-government-mozambique-regarding-security-mozambique

[8] Rufin and Glowacki, 2023. ‘Report on the socioeconomic, humanitarian and human rights situation in the Palma-Afungi-Mocímboa area‘, pág 20. Encomendado pela TotalEnergies. https://totalenergies.com/sites/g/files/nytnzq121/files/documents/2023-05/Mozambique_LNG_report.pdf

[9] 28 instituições financeiras participaram no financimanto do projecto no valor de 14.9 bilhões de dólares em Julho de 2020. As Agências de Crédito à Exportação incluem Export Import Bank of the United States (US EXIM), UK Export Finance (UKEF), Servizi Assicurativi del Commercio Estero (SACE), Atradius Dutch State Business (ADSB). Os bancos comerciais incluem Société Générale (o conselheiro financeiro da TotalEnergies para o projecto), Crédit Agricole, JPMorgan, Mizuho Bank, Standard Chartered Bank. Veja a lista completa: www.amisdelaterre.org/wp-content/uploads/2024/07/summary—-financial-institutions-involvement-in-the-mozambique-lng-gas-project-2.pdf 

[10] O projecto Mozambique LNG irá produzir entre 3.3 e 4.5 bilhões de toneladas de equivalente a CO2 no seu ciclo de vida, mais que o total das emissões de gases de efeito de estufa anuais de todos os 27 países membro da UE. Friends of the Earth EWNI and the New Economics Foundation, October 2021. Tip of the iceberg : the future of fossil fuel extraction.
https://policy.friendsoftheearth.uk/print/pdf/node/237

[11] Knoote and Rosenhard, ‘Acceptable Risk? How the security threat in Cabo Delgado was ignored for the benefit of ‘The Netherlands Ltd.’, June 2024, Milieudefensie and Both Ends. https://en.milieudefensie.nl/news/government-wrong-again-mozambique-gas

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