Comunicado de Imprensa de: Justiça Ambiental! / Friends of the Earth Mozambique; Les Amis de la Terre France / Friends of the Earth France; Reclaim Finance; BankTrack; Urgewald; Friends of the Earth Japan; ReCommon; Milieudefensie / Friends of the Earth Netherlands; Friends of the Earth Europe; Friends of the Earth United States

Quarta-feira, 22 de Janeiro de 2025

Nenhum dos financiadores do controverso projecto de GNL em Moçambique concordou em apelar publicamente para uma investigação internacional independente sobre um alegado massacre de civis, supostamente cometido perto das instalações da TotalEnergies em meados de 2021 por forças de segurança públicas moçambicanas.

Hoje, uma coligação de 126 organizações da sociedade civil moçambicanas e internacionais (1) divulgou uma carta, enviada em Dezembro passado às 31 instituições financeiras (2) envolvidas no projecto de GNL em Moçambique. A carta inclui novas informações críticas sobre os riscos associados ao projecto e apresenta exigências fundamentais.

Este comunicado de imprensa pode ser consultado em:  Francês / Japonês / Holandês / Inglês
A carta de dezembro de 2024 enviada às instituições financeiras (PDF): Português / Francês / Japonês / Inglês

A coligação pede especificamente que as instituições financeiras apoiem o apelo (3) para uma investigação internacional independente e urgente sobre o alegado massacre de civis, supostamente ocorrido perto das instalações de Afungi da TotalEnergies entre Julho e Setembro de 2021, por forças de segurança públicas encarregadas de proteger o local. A coligação sublinha a necessidade de a investigação ser conduzida por um mecanismo intergovernamental internacional ou regional de direitos humanos – como o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (OHCHR) e a Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos. Além disso, insta os financiadores a retirarem o apoio ao projecto e a suspendê-lo, caso o estado de força maior seja levantado – um passo legal necessário para a retoma do projecto – até que todos os factos sejam investigados e os resultados divulgados.

Até ao prazo de 17 de Janeiro, apenas 14 das 31 instituições financeiras tinham respondido – FirstRand, UKEF, Crédit Agricole, Société Générale, JBIC, Standard Chartered, JOGMEC, Mizuho, MUFG, SMBC, Sumitomo Mitsui Trust, ABSA, Standard Bank e Atradius DSB. Na maioria das respostas, as instituições confirmaram a recepção da carta, e algumas, como a UKEF, Standard Chartered e FirstRand, reconheceram as preocupações levantadas, mas nenhuma indicou apoio a uma investigação internacional independente. Nenhuma das 31 instituições financeiras falou publicamente sobre o alegado massacre ou outras violações dos direitos humanos relacionadas com o projecto de GNL em Moçambique.

Operações de GNL num contexto de agitação civil, opressão e conflito

Desde meados de Outubro de 2024, Moçambique tem vivido “um nível sem precedentes de protestos públicos diários” em todo o país, desencadeados por alegações de fraude eleitoral e pelos brutais assassinatos de duas figuras de destaque da oposição. (4) A resposta das autoridades estatais tem sido “marcada por graves violações dos direitos humanos, incluindo assassinatos, tortura e desaparecimentos forçados”. (5) Até 15 de Janeiro de 2025, o número total de mortes foi de 303, com 619 pessoas baleadas e 4228 pessoas detidas desde 21 de outubro. Organizações da sociedade civil têm apelado à intervenção das Nações Unidas.

Além da agitação civil, a insurgência em curso em Cabo Delgado continua activa, e a segurança regional permaneceu precária ao longo de 2024. (6) As causas da insurgência, bem como as das manifestações eleitorais, são as mesmas, destacando-se a situação de bem-estar socioeconómico da população da região e de Moçambique no seu todo. Diversas análises de especialistas indicam que a chave para resolver a insurgência reside no enfrentamento dessas causas.

Anabela Lemos, da Justiça Ambiental! / Amigos da Terra Moçambique, alerta: “Este projecto carrega um amplo espectro de riscos – especificamente no que diz respeito às violações dos direitos humanos. O desenvolvimento do gás tem demonstrado ser um catalisador para disponibilizar fundos e recursos adicionais a um governo que tem praticado violência contra os cidadãos. Nem o governo moçambicano nem a TotalEnergies podem ser considerados aptos para realizar investigações credíveis e objectivas sobre alegadas violações às quais possam estar ligados. Os financiadores – por moralidade e justiça – devem reavaliar não apenas o seu apoio a este projecto, mas também o seu compromisso com os direitos humanos.” (Lemos é directora da Justiça Ambiental! e vencedora do Prémio Right Livelihood em 2024.)

Após o artigo publicado pela Politico em Setembro de 2024, que relatava o alegado massacre de civis, o Ministério da Defesa Nacional de Moçambique refutou as alegações feitas no artigo. Uma análise interna do GNL de Moçambique concluiu que não foram identificadas informações corroborativas. Em finais de Dezembro, foi noticiado que o Gabinete do Procurador-Geral da República de Moçambique havia iniciado uma investigação sobre as alegações e realizado uma audição com o director do GNL de Moçambique, Maxime Rabilloud.

Parlamentares holandeses expressaram preocupações e destacaram a importância de uma investigação independente sobre o alegado massacre. Contudo, uma moção submetida sobre este tema em Dezembro está actualmente em espera, aguardando uma resposta formal (carta) do Ministro das Finanças dos Países Baixos.

Kate DeAngelis, dos Amigos da Terra dos EUA, afirma: “Os governos, através das suas agências de crédito à exportação e instituições financeiras de desenvolvimento, estão a fornecer financiamento crucial para o desenvolvimento do GNL no norte de Moçambique. O Banco de Exportação-Importação dos EUA, sob a primeira Administração Trump, aprovou quase 5 mil milhões de dólares para o GNL de Moçambique. Apesar de Biden não ter cedido à pressão do CEO da TotalEnergies, Patrick Pouyanné, e não ter desbloqueado os fundos solicitados para a retoma do projecto durante o seu mandato, é provável que a segunda Administração Trump acelere este financiamento, apesar das atrocidades que foram cometidas. Neste contexto, os outros Estados envolvidos no projecto, incluindo os Países Baixos e o Reino Unido, têm ainda maior responsabilidade de se oporem à aliança de Trump com a indústria dos combustíveis fósseis.”

As violações relacionadas com o reassentamento permanecem por resolver

A carta dirigida às instituições financeiras detalha as violações relacionadas com o reassentamento que afectam centenas de famílias e que permanecem sem resolução. Mais de 1.300 queixas foram recebidas pela organização da sociedade civil local Justiça Ambiental. Nenhuma das instituições financeiras comentou sobre estas circunstâncias.

Numa reunião recente realizada para tentar resolver algumas das questões relacionadas com o reassentamento, vários membros da comunidade manifestaram-se contra uma proposta que lhes negaria quaisquer oportunidades de sustento – incluindo o cultivo de alimentos. Subsequentemente, dez membros da comunidade foram convocados para audições com a polícia. A Justiça Ambiental!, que presta apoio a comunidades afectadas por megaprojectos, tem observado esta táctica ser utilizada em várias outras comunidades no país para silenciar vozes críticas. Anabela Lemos afirma: “A intimidação tem um impacto profundo no sentimento de segurança dos indivíduos quando participam em reuniões e negociações relativas aos seus direitos, sendo especialmente ameaçadora no contexto de um conflito regional em curso.”

Financiadores do GNL de Moçambique apelados a garantir justiça para as pessoas afectadas pelo projecto e pelo alegado massacre

A TotalEnergies tem procurado os apoiantes financeiros deste projecto para assegurar o seu renovado apoio, tendo em vista a retoma das operações. A coligação que enviou a carta argumenta que o apoio financeiro não pode e não deve ser renovado sem uma reavaliação completa do projecto, incluindo as recentes alegações de ligações a graves violações dos direitos humanos.

Lorette Philippot, dos Amigos da Terra França, afirma: “As instituições financeiras públicas e privadas estão a optar por uma estratégia de silêncio cúmplice. Desde que decidiram apoiar o GNL de Moçambique em meados de 2020, riscos há muito identificados tornaram-se em impactos concretos, tragédias humanas repetidas ocorreram e foram documentadas, e a Total tem consistentemente demonstrado ser pouco fiável. Estes bancos, e em particular o Société Générale e o Crédit Agricole em França, devem perceber que este silêncio não os protegerá: têm a responsabilidade de exigir que se esclareçam estas violências insuportáveis, garantindo justiça e verdade para as vítimas e segurança para os sobreviventes, famílias e testemunhas.”

Contactos

Para o contexto socioeconómico de Moçambique e os impactos na comunidade:
Daniel Ribeiro / Justiça Ambiental! / +258 86 620 5608⁩ (CAT)

Para instituições financeiras privadas::
Lorette Philippot / Friends of the Earth France / +33 6 40 18 82 84 (CET)
Rieke Butijn / BankTrack  (CET)

Para instituições financeiras públicas:
Kate DeAngelis / Friends of the Earth US / +1 202-320-4742⁩ (EST)
Isabelle Gueskens / Milieudefensie / +31621829589 (CET)

Notas

(1) A carta foi inicialmente enviada em Dezembro de 2024 pelas seguintes organizações: Justiça Ambiental! / Friends of the Earth Mozambique; Les Amis de la Terre France / Friends of the Earth France; Reclaim Finance; BankTrack; Urgewald; Friends of the Earth Japan; ReCommon; Milieudefensie / Friends of the Earth Netherlands; Friends of the Earth Europe; Friends of the Earth United States; Solutions for Our Climate. Consulte a lista completa dos signatários no final da carta..

(2) 31 instituições financeiras participaram no financiamento do projecto no valor de 14,9 mil milhões de dólares, em Julho de 2020. A carta foi enviada às seguintes instituições financeiras:
Instituições financeiras públicas: Export Import Bank of the United States (US EXIM); Japan Bank for International Cooperation (JBIC); UK Export Finance (UKEF); Export-Import Bank of Thailand (Thai Exim); Servizi Assicurativi del Commercio Estero (SACE); Nippon Export and Investment Insurance (NEXI); Export Credit Insurance Corporation of South Africa (ECIC); Atradius Dutch State Business (ADSB); Cassa Depositi e Prestiti; African Development Bank (AfDB); African Export Import Bank; Development Bank of Southern Africa; Industrial Development Corporation of South Africa; Korea Development Bank; Export Import Bank of Korea (KEXIM); US International Development Finance Corp (DFC).
Instituições financeiras privadas: Société Générale; Crédit Agricole; Mizuho Bank; JP Morgan; Standard Chartered Bank; MUFG Bank; Sumitomo Mitsui Banking Corporation; Sumitomo Mitsui Trust Bank; SBI Shinsei Bank; Nippon Life Insurance; ABSA Bank; Nedbank; Rand Merchant Bank; Standard Bank; ICBC.

(3) Apelo urgente para uma investigação internacional independente imediata
As organizações da sociedade civil internacional e moçambicana apelam urgentemente para uma investigação internacional independente imediata sobre a série de atrocidades alegadamente cometidas nas proximidades das instalações de Afungi da TotalEnergies em Moçambique, por forças de segurança pública que alegadamente actuavam ao serviço da empresa. Solicitamos que esta investigação independente seja conduzida por um mecanismo internacional ou regional intergovernamental de direitos humanos – como o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (OHCHR) e a Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos – com o intuito de assegurar justiça e verdade para as vítimas, bem como a segurança dos sobreviventes, famílias e testemunhas. Trabalhar com um organismo de direitos humanos oficialmente reconhecido a nível internacional ou regional, com a necessária perícia e mandato, é fundamental para a protecção das vítimas e testemunhas.

(4) Mais informações sobre os protestos eleitorais: Club of Mozambique. 13 January 2025. CIP Mozambique Elections: Appeal to UN for intervention of stop killing of protestors; The Daily Maverick. 24 October 2024. Assassinations, fraud and intimidation mark Mozambique’s 2024 elections; Institute for Security Studies. 22 October 2024. Latest elections widen Mozambique’s democratic deficit; and Centro de Integridade Pública (CIP). 19 October 2024. Nota de repúdio do Centro de Integridade Pública (CIP) ao bárbaro assassinato do advogado Elvino Dias na cidade de Maputo.

(5) Mais informações sobre a resposta do governo moçambicano aos protestos eleitorais: African Arguments. 7 de Novembro de 2024. Mozambique: A revolution born in the search for electoral justice; Human Rights Watch. 19 de Outubro de 2024. Mozambique: Post-Election Protests Violently Repressed; and Club of Mozambique. 13 de Janeiro de 2025. CIP Mozambique Elections: Appeal to UN for intervention of stop killing of protestors.

(6) Para actualizações sobre a violência política e a insurgência em Moçambique, consulte: Cabo Ligado observatório de conflitos, publicado pela Armed Conflict Location and Event Data (ACLED); e Matriz de rastreio de deslocamentos em Moçambique pela Organização Internacional para as Migrações das Nações Unidas (UN IOM).